A educação como ferramenta para combater o racismo (2024)

Todo 21 de março comemoramos o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial, criado em memória às vítimas do massacre de dezenas de pessoas que protestavam contra o apartheid na África do Sul, em 1960. Desde então, apesar dos muitos avanços na luta pela eliminação de qualquer forma de racismo, esse problema estrutural continua afetando milhares de afrodescendentes. Por isso, precisamos relembrar e discutir esse assunto todos os dias, de maneira franca, não apenas nos espaços onde se definem políticas públicas, mas nas nossas casas, no trabalho, na mesa do bar e, principalmente, nas salas de aula.

As escolas são um grande reflexo do racismo estrutural que afeta nossas sociedades. Em um estudo do Banco Mundial publicado em 2018 sobre a situação dos afrodescendentes na América Latina, a educação aparecia como uma das áreas em que as brechas entre negros e brancos são mais visíveis. Na região, crianças e jovens afrodescendentes enfrentam oportunidades desiguais na escola, têm acesso a um ensino de pior qualidade, obtêm piores resultados de aprendizagem e possuem maior probabilidade de abandonar o sistema educacional mais cedo.

Mas ao mesmo tempo em que a educação evidencia as tantas brechas entre brancos e negros, é também nas escolas que encontramos uma das principais ferramentas para transformar essa realidade e lutar contra o racismo. Nas salas de aula podemos não apenas influenciar as mentes de crianças e jovens e desconstruir preconceitos, como também dar a futuras gerações as ferramentas necessárias para romper com as barreiras raciais e os ciclos de pobreza crônica que atingem desproporcionalmente os afrodescendentes da região.

Para compreender melhor as desigualdades que afetam as 34 milhões de crianças e adolescentes afrodescendentes em idade escolar na América Latina e identificar políticas e programas para combatê-las, o Banco Mundial preparou um novo estudo dedicado exclusivamente à inclusão de afrodescendentes nos sistemas educativos.

O relatório, que será lançado em breve, mostra que o principal problema não é de acesso, mas sim de permanência no sistema escolar. Cerca de 20% das crianças afrodescendentes não completam o ensino fundamental e menos 66%, o ensino médio na região.

No Brasil, 63% da população negra possui ensino médio completo, uma melhora quando comparada à taxa de 55,8% de 2015, mais ainda significativamente inferior aos 78,6% dos brancos. No ensino superior, 10% da população negra possui hoje superior completo – menos da metade da taxa do resto da população do país.

A inserção desigual no mercado de trabalho é outro desincentivo para abandonar os estudos. No Brasil, trabalhadores negros com superior completo ganham em média 40% menos que brancos para os mesmos tipos de trabalho, inclusive depois de controlados outros fatores como local de residência, informalidade e gênero; além de sofrerem discriminação racial em processos seletivos e no ambiente de trabalho e estarem sub-representados em cargos de liderança e em trabalhos bem remunerados.

Todas essas brechas foram intensificadas pela pandemia da Covid. O relatório mostra que mais da metade dos estudantes afrodescendentes do ensino fundamental e médio na América Latina não possuíam as ferramentas básicas para continuar sua educação de forma remota durante a quarentena. Isso fica evidente no caso do Brasil, onde cerca de 29% dos alunos negros no ensino fundamental têm acesso a computadores em casa, versus 52% dos alunos brancos no mesmo nível.

Mais do que analisar os dados disponíveis que escancaram essas desigualdades, o estudo tenta entender suas causas. Examina, por exemplo, imagens e referências em livros didáticos de dez países, identificando representações implícitas e explícitas de raça e relações raciais no ensino. Em geral, os livros escolares analisados não promovem o reconhecimento das identidades afrodescendentes e, ao contrário, muitas vezes difundem representações estereotipadas.

A luta contra o racismo e a escravidão é quase ignorada ou mencionada de passagem, com notáveis exceções nos livros brasileiros, enquanto a tendência geral na região é representar o racismo como algo que aconteceu ou ocorre em outros lugares, como se raça e desigualdade racial não fossem uma parte fundamental da história e do presente da América Latina.

O estudo traz ainda uma análise dos avanços e desafios de políticas exitosas implementadas para combater essas disparidades, desde leis anti-discriminação e quotas no ensino superior até ajustes nos currículos escolares.

A boa notícia é que as lições aprendidas com essas políticas, a análise das causas da exclusão, assim como a experiência de muitos ativistas e especialistas – cujas vozes foram fundamentais para a construção desse relatório – mostram que há muitos caminhos para romper com as barreiras raciais. Entre eles está primeiramente a escola, como um ator chave na luta contra a discriminação. As salas de aula devem ser espaços livres de qualquer expressão de racismo, pro-ativamente inclusivos e deliberadamente antirracistas.

Precisamos também eliminar as barreiras socioeconômicas que impedem que estudantes permaneçam no sistema educativo, investindo mais nas escolas mais frequentadas por crianças negras, oferecendo programas de subsídios, como bolsas de estudo e incentivos às escolas. E é crucial fechar a brecha digital que ainda existe entre negros e brancos.

Ainda há muito o que podemos e devemos fazer. A educação é uma das principais portas de entrada para um desenvolvimento justo e sustentável, inclusivo e livre de qualquer forma de racismo e discriminação. É hora de aproveitar esse potencial e investir em sistemas educativos antirracistas, e é esse diálogo que pretendemos fomentar no evento de lançamento do relatório que acontecerá em breve.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial German Freire, especialista sênior em Desenvolvimento Social, e Flávia Carbonari, consultora, especialista em desenvolvimento social e gênero.

A educação como ferramenta para combater o racismo (2024)

FAQs

Qual a importância de uma educação anti racista? ›

Essa é uma forma de valorizar a diversidade cultural e étnico-racial na construção do conhecimento da Humanidade. Assim, pode-se ir rumo a um currículo menos etnocêntrico.

Qual o papel do professor na luta contra o racismo? ›

O professor tem um papel muito importante no que se refere ao combate ao preconceito racial, pois, assim ele é um agente mediador que ao perceber formas de discriminação entre os educandos, deve intervir, a fim de que cada vez menos, essas práticas aconteçam em uma escola.

O que podemos fazer para combater o racismo? ›

Denuncie o caso: se você se sentir seguro e confortável, denuncie a discriminação racial às autoridades competentes, como a polícia ou órgãos de defesa dos direitos humanos. Isso ajudará a garantir que a conduta discriminatória seja registrada e investigada.

O que fazer para combater o racismo e o preconceito no ambiente escolar? ›

É preciso mostrar aos alunos a importância de respeitar as diferenças para que o convívio com os colegas seja o mais saudável possível. Respeito, empatia e solidariedade, alguns dos valores essenciais para ajudar a evitar o preconceito, fazem parte das chamadas competências socioemocionais.

Como ser um educador antirracista resumo? ›

Em Como ser um educador antirracista, Bárbara Carine, conhecida nas redes como "uma intelectual diferentona", discute sobre como a educação e a escola podem ser pensadas a partir de perspectivas não ocidentalizadas e, sobretudo, racializadas.

Qual a importância das práticas pedagógicas Antirracistas na escola? ›

A educação antirracista existe para dar visibilidade ao debate, para proteger as crianças e adolescentes do racismo e garantir que todos e todas tenham garantido seu direito desenvolvimento integral.

Qual é a importância do combate ao preconceito e à discriminação? ›

Estudos comprovam que qualquer forma de preconceito nas relações humanas prejudica o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária. Toda diferença precisa ser respeitada, seja ela étnica, cultural ou de gênero. Não há idade específica e nem o momento certo para abordar o assunto.

O que é o combate ao racismo? ›

O combate ao racismo inclui lidar com questões linguísticas, para evitar a minimização dessas formas de violência e crimes com consequências devastadoras empregando o discurso. Mas, além disso, é preciso mudanças estruturais, com políticas públicas.

O que o preconceito gera dentro da escola? ›

Alunos afetados pelo preconceito tendem a evitar relacionamentos interpessoais e, consequentemente, a não querer frequentar a escola, com medo de julgamento. Do outro lado, alunos que manifestam ações preconceituosas cultivam uma falsa noção do que é relacionar-se com as pessoas e conviver em sociedade.

Como o professor deve agir diante de uma situação de preconceito? ›

Respeitar, entender que existem visões diferentes, cuidar do outro, compreender limites e se relacionar com o mundo fazem parte da aprendizagem, e isso é muito mais importante do que o conhecimento formal”, finaliza o professor.

O que causa o preconceito social? ›

O preconceito social, também conhecido por preconceito de classe consiste em tratar as pessoas de modo diferente somente por causa da sua situação econômica, nível de escolaridade e acesso a renda e bens de serviço.

Por que o racismo é tão difícil de ser superado? ›

Pior: Quem sofre racismo enfrenta obstáculos concretos no acesso a bens, serviços e direitos, além de problemas psicológicos gerados por problemas de aceitação e baixa autoestima.

Quais são os três caminhos para combater o racismo na escola? ›

Entenda como a sua instituição de ensino pode promover a educação antirracista na prática:
  • Reconhecer que o racismo está presente em todos os lugares. ...
  • Ter profissionais negros e indígenas em diversos cargos. ...
  • Incluir as famílias dos alunos nas conversas. ...
  • Dar apoio às vítimas de casos de racismo.
Apr 5, 2021

Quem mais sofre preconceito no Brasil? ›

O estudo mostra que, no Brasil, 84,5% das pessoas têm pelo menos um tipo de preconceito contra as mulheres. Os piores indicadores no país são em relação à integridade física. São avaliados a violência íntima e o direito à decisão de querer ou não ter filhos.

Qual a melhor atitude a ser tomada quando sofremos algum tipo de preconceito? ›

Se você foi vítima de qualquer tipo de preconceito ou discriminação, é muito importante que denuncie, pois a denúncia visa combater a prática desse crime, punir o agente e garantir o direito à igualdade.

Qual a importância de trabalhar o antirracismo na educação infantil? ›

Acredito que esse esforço não apenas enriquece o ambiente escolar, mas também contribui para o desenvolvimento saudável da autoestima e identidade de minha filha. É crucial que ela, desde tenra idade, seja capaz de reconhecer e valorizar sua própria cor, sua história e sua cultura” disse.

Qual é o principal objetivo do antirracismo como prática cotidiana de acordo com o texto do módulo? ›

O antirracismo busca promover a igualdade racial e combater a discriminação racial em todas as suas formas, seja no âmbito pessoal, social, político ou econômico.

Qual o objetivo de trabalhar o racismo na educação infantil? ›

A inserção de temas étnicos-raciais na educação infantil é uma forma de garantir uma educação que supere o racismo e as desigualdades geradas por ele e de promover a intensificação da construção da identidade dessas crianças.

Qual é o objetivo do Dia Internacional Contra a discriminação racial? ›

O Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial, celebrado em 21 de março, tem intuito de reconhecer a batalha e as conquistas de direitos sociais para todas as raças. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao Massacre de Sharpeville, que ocorreu na África do Sul em 1966.

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